HOMO VIATOR




«La vía peregrinalis es cosa óptima, pero estrecha»(1)
Diz o conhecido sermão do Códice Calixtino



"Diante de Vós, não passamos de estrangeiros e peregrinos, como todos os nossos pais" (Cr 29, 15.). As palavras do rei Davi na presença do Senhor traçam o perfil humano não só do homem bíblico, mas também de toda a criatura humana. O "caminho", de fato, é um símbolo da existência que se expressa numa multíplice gama de ações como a partida e o regresso, a entrada e a saída, a subida e a descida, o caminho e a paragem. Apenas faz o seu ingresso no cenário do mundo, o homem caminha buscando sempre novas metas, observando o horizonte terreno e tendendo para o infinito: navega por rios e mares, sobe às montanhas sagradas, em cujo ápice a terra atinge idealmente o céu, percorre inclusive o tempo assinalando-o com datas santas, sente o nascimento como um ingresso no mundo e a morte como uma saída para entrar no seio da terra ou para ser levado às regiões divinas. (2)


A concepção da vida cristã como peregrinação sempre foi sinal da condição dos discípulos de Cristo neste mundo e sempre ocupou um lugar importante na vida do cristão. A peregrinação, antes de tudo, reproduz a condição do homem, que gosta de descrever a sua própria existência como um caminho. Do nascimento até à morte, cada um vive na condição peculiar do homo viator. A peregrinatio é uma metáfora da condição humana. Porque, de fato, somos todos estrangeiros e peregrinos neste mundo.

Neste espírito, a peregrinação a Santiago de Compostela distinguiu-se, ao longo dos séculos, por muitas graças espirituais derramadas, e em especial por um crescimento na fé e no compromisso cristão daqueles que vêm a este santo lugar visitar as relíquias do apóstolo. No Codex Calixtinus, escrito pelo peregrino francês Aymeric Picaud, escrito em 1123, enfatiza-se o verdadeiro espírito do caminho, isto é, uma experiência única de fé: aqueles que o realizavam, ao voltar a sua terra, não eram mais os mesmos. E isto, porque, efetuando-se a viagem exterior, efetuava-se a viagem interior no estilo agostiniano, cuja finalidade é separar-nos daquilo que, em nós mesmos e ao nosso redor, é contrário à lei de Deus, para nos encontrarmos plenamente com Cristo. O peregrino é chamado a assumir com mais fidelidade suas promessas batismais.

De caráter penitencial, o caminho, como diz o Codex, «es cosa óptima, pero estrecha». O caminho é árduo e marcado pelo intraduzível desamparo da ausência da pátria e dos amigos. Os nossos medos e apegos manifestam-se terrivelmente. Entra em cena o homem débil, entregue ao desconhecido, mas amparado pelo cajado da graça e da fé. O anseio pela estabilidade da pátria representa ao mesmo tempo nosso apego ao cotidiano terrestre e o desejo secreto de nosso coração pela estabilidade definitiva e celeste.

Em muitos momentos, passado o limite do cansaço, a oração que fazemos já não é mais que um balbucio deforme. O caminhante chega a se encontrar no grau supremo de debilidade, é quando Deus, ao fim, fala. E fala mesmo. O Caminho é um espaço e um tempo para o diálogo com Deus.

Entre as dores e a fadiga Deus nos concede muitas consolações por meio dos santos, da Virgem peregrina, Santa Maria do Caminho e da Eucaristia. No caminho, pude visitar as relíquias de Santo Domingo de la Calzada e San Juan de Ortega, além, é claro das relíquias do próprio Santo Apóstolo. Encontrei particular alegria nas comunidades católicas (e só vi Igrejas católicas nos pueblos do caminho) de diversos pueblos que celebram dignamente a Santa Eucaristia, sem abusos, guardando os ritos sagrados com fidelidade e amor ao Senhor. Em muitos albergues de peregrinos é possível encontrar gente imbuída do mais vivo espírito da caridade cristã.

O fenômeno das peregrinações jacobeas é uma realidade viva e em plena continuidade com seu espírito originário, embora encontremos no caminho, diversas pessoas que fazem apenas por turismo ou o fazem por motivações não ortodoxas e alheias ao espírito cristão. Porém, qualquer iniciativa que procura desvirtuar a sua índole especificamente religiosa constitui um desvio das suas origens autênticas. Qualquer um que faz o caminho com outras motivações que não as motivações cristãs não é verdadeiro peregrino. A este respeito, o peregrino jacobeo não é, pois, apenas uma pessoa que caminha como qualquer outro: ele é, em primeiro lugar, um filho da Igreja. Peregrinação, no sentido autêntico, é manifestação de um desejo de estar cada vez mais disponível à voz do Espírito, para ir sem demora ao encontro de Cristo. A meta última desta peregrinação pelas vias do mundo não está, porém, escrita no mapa da terra e, por isso, o Caminho de Santiago não é somente uma meta. Cruzando o limiar do majestoso Pórtico da Glória na catedral de Santiago, os peregrinos, orientando a sua vida à luz dos Ensinamentos de Cristo, voltam para os seus lugares de origem, a fim de serem ali testemunhas vivas e credíveis de Jesus Cristo e filhos fiéis da santa Igreja católica.

Um grande abraço à todos.

Retorno em breve.

Daniel.


(1) Codex Calixtinus, l. I c. XVII
(2) A Peregrinação no Grande Jubileu do Ano 2000. Disponível:
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/migrants/documents/rc_pc_migrants_doc_19980425_pilgrimage_po.htm


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